‘Uma grande honra’: autor sul-coreano fala sobre ida à Bienal do Livro 5j2g2j
Kim Ho-Yeon revelou a VEJA que pensa em transformar suas memórias do Brasil em novo romance 39a63

Uma das estrelas da próxima Bienal do Livro no Rio de Janeiro, o autor sul-coreano Kim Ho-Yeon, já chega ao país em ritmo de comemorações: festeja seu aniversário de 52 anos, nesta terça-feira, 10, durante o voo para o Brasil. Ele participará do maior evento de literatura do país, no dia 15, quando vai lançar a sua nova obra, Meu Dom Quixote Coreano, inspirada no clássico de Miguel Cervantes (1547-1616), pela editora Bertrand Brasil. O seu último livro, A Inconveniente Loja de Conveniência, vendeu 60 mil exemplares por aqui e 1,5 milhão na Coreia do Sul. Depois do Rio, Kim Ho-Yeon participará, em São Paulo, do Simpósio de Literatura Coreana, dia 17, no Centro Cultural Coreano no Brasil.
Em Meu Dom Quixote Coreano, Kim Ho-Yeon narra uma história de aventura emocionante que tem como principal cenário uma videolocadora situada em Daejeon, a quinta maior metrópole da Coreia do Sul. É lá que um grupo de adolescentes se refugia entre pilhas de fitas, VHs, comidas, como Tteokbokki, risadas e bate-papo longos. Na locadora Dom Quixote Vídeos, os amigos encontram abrigo em Dom, o excêntrico dono da loja que quer ar a eles uma lição: sempre seguir seus sonhos, por mais impossíveis que pareçam.
Para falar sobre a nova obra, Kim Ho-Yeon deu uma entrevista exclusiva para a coluna Giro pelo Oriente, de VEJA – confira trecho da conversa no vídeo no fim desta matéria.
A literatura coreana tem ganhado espaço no ocidente, muitas vezes junto à onda da cultura pop sul-coreana. Como é que você entende esse momento da Coreia no cenário cultural global? Eu acho que, realmente, chegamos a um momento esperado porque os conteúdos culturais coreanos têm ótima qualidade, só que nunca foram apresentados ao mundo — nunca tiveram essa oportunidade. Então, chegou o momento de mostrar, graças a toda essa onda, a literatura e todas as manifestações culturais do nosso país ao mundo. No caso da literatura coreana, sempre houve a discussão de como fazê-la se expandir: a questão era a tradução das obras. Antes, falava-se muito da importância da tradução, porque só assim as pessoas poderiam ler literatura coreana. Agora, eu observo que esse interesse pela cultura coreana, por parte de todos os públicos em nível global, faz com que o público busque conteúdos e que o mercado traduza mais livros. Então, para mim, essa inversão — em que o interesse puxa o mercado, e não apenas o contrário — é a perspectiva atual que tenho sobre todo esse movimento literário no mundo.
Sua linguagem é muito ível, mas também profunda. Como é que você trabalha o equilíbrio entre a simplicidade e a profundidade dos seus textos? Eu prezo por essa simplicidade nas minhas obras. Acredito que, tornando o texto um pouco mais fácil e direto, os leitores conseguem entrar na fase de imersão com muito mais facilidade. Ao mesmo tempo, procuro manter a densidade emocional e reflexiva necessária para que o texto não perca profundidade. Então é assim que eu trabalho: adapto a linguagem para que ela seja ível, mas sem abrir mão de ar uma carga significativa de sentimentos e ideias.
Por que seus romances têm lojas como cenários? Na minha infância, a família dos meus pais trabalhava em lojas, e eu morava perto do mercado Namdaemun, ao sul de Seul — um mercado enorme na cidade. Todo mundo lá trabalhava em lojas: minha família, meus amigos. Então, naturalmente, eu me inspiro nesse ambiente de feiras e lojistas. Acho que isso transparece nas minhas obras. Eu uso essas referências pessoais: embora eu não insira exatamente minhas experiências tais quais ocorreram, foram essas vivências de infância que me ajudaram a imaginar o cenário das lojas com mais facilidade. Por isso, acabo recorrendo a esse universo sempre que preciso desenhar um ambiente para meus livros.
Como é que é a pressão de escrever um romance depois de ter escrito A Inconveniente Loja de Conveniência, que se tornou best‐seller? A pressão foi grande. Para mim, isso não foi um peso, mas sim um incentivo: saber que as pessoas esperavam algo novo me deu força para me dedicar ainda mais à escrita. Esse olhar dos leitores continua sendo uma motivação para que eu trabalhe com mais cuidado e empenho em cada livro que faço.
Quais são suas inspirações para escrever? Minhas inspirações são as pessoas e todas as histórias que giram em torno delas. Observar o cotidiano, as interações e os pequenos dramas da vida real é uma fonte constante para meus romances. Sinto também certa influência do jornalismo: estou sempre atento ao que acontece ao meu redor, ao mundo à minha volta, e tento transcrever essas observações para as páginas dos meus livros. Acho que essa perspectiva jornalística acaba aparecendo como um fio condutor na forma como construo narrativas.

Como é que você se inspirou para escrever Meu Dom Quixote Coreano? Eu gosto muito da obra Dom Quixote, de Miguel Cervantes. Em 2019, tive a oportunidade de fazer uma residência artística em Madri, Espanha, por três meses. Durante esse período, pesquisei sobre Cervantes, sobre como ele desenvolveu sua obra e a história de Dom Quixote. Já naquela época, comecei a pensar em criar uma versão coreana desse clássico. Assim surgiu Meu Dom Quixote Coreano. A mensagem que quis ar é que, mesmo num mundo tão conturbado, as pessoas devem seguir seus sonhos e viver aquilo que faz o coração pulsar. Não se trata apenas de sonhar, mas de sentir a emoção que o sonho traz, de manter viva a faísca que faz o coração bater mais forte.
Você conhece algum autor brasileiro? Eu conheço Paulo Coelho, Clarice Lispector e também o autor de Meu Pé de Laranja-Lima, José Mauro de Vasconcelos.
A Inconveniente Loja de Conveniência foi um sucesso no Brasil. O que você acha que despertou a curiosidade dos leitores brasileiros pela sua obra? Eu também estou muito curioso para entender isso. Gostaria de descobrir qual foi o motivo que fez com que os leitores brasileiros se identificassem tanto com esse livro. Pretendo vir ao Brasil justamente para buscar essa resposta.
Qual é a sua expectativa para a Bienal do Livro do Rio? Para mim, é uma grande honra participar da Bienal do Livro do Rio. Estou com muita expectativa, mas tento me acalmar, porque se eu criar muitas expectativas corro o risco de querer fazer tudo ao mesmo tempo e acabar não conseguindo organizar as coisas. Então, procuro manter a calma no coração. Tenho grandes expectativas também porque nunca visitei as Américas — seja Norte, Central ou do Sul. Esta é minha primeira viagem ao continente americano, e por isso estou bastante animado.
O que você gostaria de conhecer aqui no Rio de Janeiro, além da Bienal? Tenho vários lugares em mente. Sempre sonhei em visitar o Corcovado, ver o Cristo Redentor de perto, ear por Ipanema e conhecer outros cartões-postais da cidade. Ainda assim, meu foco principal será a Bienal. Tentarei me segurar para não sair correndo por todos os pontos turísticos de uma vez.
Você tem planos de ambientar alguma história fora da Coreia, talvez um romance situado no Rio de Janeiro ou em São Paulo? Uma das minhas fontes de inspiração é justamente essa ideia de explorar lugares novos. Ao visitar cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, quero observar tudo com calma e registrar cada detalhe. Ainda não tenho um plano exato para ambientar uma história fora da Coreia do Sul, mas certamente desejo que, no futuro, essas memórias se tornem o cenário de algum livro. Um dos meus objetivos é mostrar ao público coreano como é viver em outras cidades e culturas.
Você poderia deixar uma mensagem para os fãs brasileiros? É uma enorme surpresa receber tanto amor dos leitores brasileiros, que estão do outro lado do mundo em relação à Coreia. A história de A Inconveniente Loja de Conveniência fala de uma loja que parece de outro mundo, e fico muito feliz em saber que vocês estão encontrando alegria ao conhecer essa cultura por meio da leitura. Estou bem curioso para ouvir como foi essa experiência de vocês ao ler o livro, e por isso mal posso esperar para visitar o Brasil de verdade. Nos meus livros, como em A Inconveniente Loja de Conveniência, há um protagonista misterioso cuja trajetória se desenrola ao longo da narrativa. A cada momento, o leitor acompanha como essa pessoa cresce, se desenvolve e evolui. É quase um exercício de autoconhecimento: enquanto acompanham a evolução do personagem, os leitores podem refletir “Como estou mudando junto com ele?O que estou percebendo em mim mesmo?”. Essa é a experiência que desejo que o público tenha.